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Round Trips

Round Trips: Capítulo 19 – Fotógrafa na Suécia

Por: liketour | 01/06/2021

2021 continuamos com excelentes conteúdos no liketour. Além, do já conhecido liketour cast, teremos novos conteúdos, com mais dicas e histórias de viagens para você.  Uma delas é a série de entrevistas no formato escrito, batizada de Round Trips*, onde conversamos com pessoas criadoras de sites, empresário e escritores de livros sobre turismo.

Pamela Bastos é brasileira, formada em publicidade, fotógrafa e militar. Mora em Estocolmo capital da Suécia há 16 anos. É a primeira fotógrafa brasileira no país e a única brasileira registrada pelo governo e autorizada como guia turística também.

 

Pâmela Bastos

 

LT: Como foi a sua migração do Brasil para Suécia? Antes de morar na Suécia qual era sua relação com o país? 

Pâmela: Eu era uma adolescente aventureira, porém obediente, e queria sair do Brasil e conhecer o mundo. Minha mãe falou que eu teria que terminar a faculdade primeiro, então eu coloquei isso na cabeça. Comecei a planejar e resolvi que queria ir pra algum lugar exótico que tivesse pouco brasileiro, justamente pra explorar o que pouco brasileiro tinha explorado. Foi então que eu peguei uma lista de países na internet, que estava em inglês, e comecei a ler… até que me deparei com “Sweden” e não sabia se era Suécia ou Suíça, não sabia qual a diferença entre os dois países e foi então que eu pensei “não sei nada a respeito de Sweden, perfeito!”.

Comecei daí a procurar gente da Suécia pra conversar e fazer amizade e já sondar o terreno pra me mudar depois. Comecei a aprender sueco por conta, e assim fui indo. Eu não fui consciente de prós e contras, não experimentei o país antes de me comprometer. Eu decidi que ia me mudar pra Suécia por não saber nada sobre o país e mergulhei de cabeça, sem saber onde estava me metendo. A ideia era ficar 2 anos, aprender a língua, aprender sobre o país, a cultura, e depois voltar pro Brasil. Mas não foi bem assim que a história se desenrolou!

LT: Como brasileira como foi a adaptação ao país e a uma cultura tão diferente e qual a visão que os suecos tem do Brasil e dos brasileiros?

Pâmela: Eu sou curiosa e bem destemida. Eu gosto de noites longas (aqui fica muito escuro durante 6 meses do ano), eu gosto do diferente, de estar aprendendo sempre. Eu costumo focar nas coisas que foram legais, mas claro, não dá pra esquecer dos muitos empecilhos também. Ser imigrante, em qualquer lugar que seja, nunca é fácil. As pessoas acham que os brasileiros se mudam pra fora e se dão bem pra caramba, mas a verdade é que mesmo quem está estável e com uma vida legal, tem que ralar muito. A gente ainda é meio mal visto aqui fora e existe muito preconceito, não racial, mas sim com relação a achar que a gente é muito diferente deles e portanto nós temos que nos esforçar muito mais que as outras pessoas pra conseguir provar o nosso valor. O brasileiro é um povo muito heterogêneo e eles têm dificuldade de entender isso, pois é muito distante da realidade deles. Agora estou falando mais dos suecos, mas vejo isso em vários países aqui por volta e até na China onde morei.

Quanto à adaptação, bom… nesses 16 anos já vi muito brasileiro vir e voltar, parece que é bem difícil pra muita gente. Pra aguentar tem que ser teimoso e curioso! Ou então vir com a vida já pronta, o que tem muita gente que faz, através de empresas suecas. É um ótimo país pra viver e criar os filhos, mas não pra imigrar assim, do nada, com uma mão na frente e outra atrás igual eu fiz. Quando um brasileiro chega na gringa sem trabalho e sem nada, não importa quem ele era no Brasil. Aqui você começa do zero. Você entra por baixo e não é fácil conseguir o seu lugar ao sol.

 

Estocolmo vista de cima

 

A língua é totalmente diferente do que a gente está acostumado. Eu sei que tem muita gente que tem dificuldade, mas eventualmente todo mundo aprende. Como diria um ditado chinês que aprendi enquanto morava lá “tudo é difícil até que se torne fácil”. Eu tenho facilidade com línguas, então sou meio suspeita, mas acredito que o ingrediente principal pra se aprender o sueco é o interesse. O resto acaba dando certo no final. Eu sei que pra muita gente a língua é um problema, mas se você dominar o inglês nunca nem vai precisar aprender o sueco se não quiser. Mas aí você estaria perdendo muito do aspecto cultural… vai das suas prioridades. Eu conheço vários estrangeiros que vivem aqui há muitos anos e não falam sueco, mas trabalham numa multinacional, ganham bem e moram super bem. A questão é que eles jamais vão realmente se inteirar na cultura, mas essa é uma escolha possível a ser feita.

Agora, além das dificuldades de se restabelecer em um novo país e de comunicação, a cultura é bem diferente mesmo, e todo brasileiro vai sentir essa diferença radicalmente especialmente a partir do seu segundo inverno. O primeiro inverno costuma ser de deslumbre, a gente descobre a neve, o frio, os casacões, as botas até o joelho, o efeito da vodca nas temperaturas negativas, enfim, é tudo uma aventura. Aí vem a beleza da primavera, e no verão as pessoas estão mais bem-humoradas, mais alegres e receptivas. Depois a gente se encanta pelo outono, que é pessoalmente minha estação do ano favorita. Quando chega o segundo inverno a gente percebe que a neve tem duzentos nomes diferentes porque tem duzentas fases diferentes, e que a maioria dessas fases são bem desagradáveis. A gente percebe que a pele fica ruim, o cabelo também, a gente quer contato pessoal e não encontra, a gente vê que os suecos valorizam muito o espaço deles, que eles querem evitar o contato visual, e se você olhar mais que de relance pra alguém já vai ser considerado inapropriado.

Não existe conversa pra jogar fora a não ser que haja uma conexão importante sua com a pessoa, por exemplo, se você trabalha no mesmo lugar, ou tem filhos que são amigos na escola, ou praticam alguma atividade juntos… e olhe lá. Não existe ser amigo do seu vizinho, aliás, vizinhos são feitos pra serem ignorados – querer contato é infringir uma regra social muito importante do “deixe-me cuidar da minha vida em paz”.

 

Museu da Estocolmo Medieval

 

Aqui, as pessoas não ajudam umas às outras da maneira que a gente conhece, até porque seria uma intromissão na vida pessoal. Mas não é que eles não se importam e são frios e calculistas, é que a cultura deles é assim. Eles são acostumados que, quando se tem um problema, o Estado vai cuidar de você. E que você provavelmente teria vergonha de mostrar uma fraqueza. Cada um tem uma vida muito isolada e só mostra o que é bonito pros outros verem, então, a proximidade vai fazer com que as falhas fiquem aparentes e isso é quase que insuportável pra um sueco. A distância mantém a aparência e a superficialidade mantém os problemas dentro de casa.

Até porque, manter uma aparência e não dividir seus problemas com os outros é mais educado – seria um desprazer pra um vizinho saber dos seus problemas e se sentir na obrigação de ajudá-lo. Saber cuidar da sua própria vida mostra que você é maduro e está no controle; perder o controle é sinônimo de falta de educação. Até por isso eles não perdem o controle emocional, dificilmente saem gritando e “rodando a baiana”, já que isso é sinal de despreparo pra vida adulta na opinião deles. Eles consideram manter a faixada muito importante pra demonstrar controle da vida no geral, e por isso você não deve contar com a empatia deles. Mas eles são empáticos sim, mas se você procurar a ajuda deles é mostrar suas falhas e fraquezas vai estar provando que não é culturalmente emancipado. E isso vai te colocar na caixinha do “despreparado pra vida” que eles têm, o que acaba reforçando a ideia que nós brasileiros não estamos prontos como eles estão. Apesar que, na minha opinião, a realidade é inversa, mas isso eles dificilmente entenderiam.

LT: Você já era fotografa antes de mudar para a Suécia? Trabalhou com o que antes e como iniciou o trabalho com fotografia?

 Pâmela: Eu sou formada em publicidade, trabalhava no Brasil com isso. Estava com um emprego ótimo de designer numa empresa multinacional dinamarquesa, com bom salário e tudo o mais. Mas aí quis me aventurar pelo mundo. Achei que chegando na Suécia seria simples conseguir um emprego na minha área, algo parecido com o que eu tinha conquistado no Brasil. Doce ilusão! Eu ralei muitos anos, não consegui nada na minha área. Aqui, por causa das leis trabalhistas, contratar uma pessoa é mais sério que instituir matrimônio. E mesmo em um mercado como o publicitário, onde a criatividade aflora mais e melhor dentre os que pensam diferente e têm bagagens mais complexas e exóticas, eu com toda a minha brasilidade não consegui. Sendo brasileira eu represento um ponto de interrogação, uma área inexplorada, algo que pode até ser interessante porém incerto, e eles não se comprometeriam com algo incerto assim.

Eu fui chamada pra várias entrevistas de emprego e recebi algumas propostas, mas nunca um emprego de carteira assinada. A pergunta que eu mais recebi nesses anos foi “quais foram seus professores?”, e como minha formação universitária tinha se dado no Brasil, eles não conheciam ninguém. Isso sempre foi minha desvantagem, aí eu resolvi que estudar aqui mudaria a minha prospecção de trabalho. Fiz uma pós em marketing e depois disso ainda estudei design escandinavo, artes plásticas, fotografia, e vários outros cursos universitários que considerava interessantes. Minha vida pessoal também deu vários loopings e isso seria uma entrevista à parte. Tive vários pequenos empregos, nada fixo, dentre eles fui guia turística em Estocolmo pra turistas que falam português e inglês, e assim ia me virando. Fiz então um mestrado na área de gerenciamento e foi durante esse mestrado que comecei a trabalhar extra como professora. Eu fui abençoada com uma coordenadora maravilhosa do Canadá, que me deu todo apoio que eu precisava e me ofereceu meu primeiro emprego fixo na Suécia, isso já depois de dominar a língua e estar aqui há mais de 11 anos. Isso me possibilitou mudar a vida pessoal, me estabelecer realmente e hoje me formei em pedagogia e sou oficialmente professora licenciada de sueco, matemática e artes plásticas em escola fundamental, além de português pra estrangeiros.

Além disso, abri a pouco tempo minha própria agência de publicidade com uma pegada diferente que ainda não tem aqui na Suécia, com foco em comunicação intercultural. Ainda está no comecinho, mas eu estou com uma equipe muito legal me apoiando nesse projeto. Se chama Guaraná Reklambyrå, e pode ser encontrado na internet www.guaranareklam.se ou no instagram @guaranareklam e meu foco é uma comunicação integrada com influências do mundo todo. Meu papel é principalmente de fotógrafa e atendimento, e a fotografia eu uso muito no meu trabalho com os turistas, com o IG fotógrafa brasileira na Suécia. Eu fui a primeira fotógrafa brasileira aqui e sou a única brasileira registrada pelo governo e autorizada como guia turística também.

 

Turista fotografada por Pâmela

 

LT: A fotografia hoje em dia é muito banalizada, hoje qualquer um com um celular é “fotografo”. Como você vê isso, e como busca um diferencial para seu trabalho?

Pâmela: Fotografia é a eternização de um momento, eu acho muito legal que as pessoas possam tirar foto a toda hora sem o compromisso que se tinha antes de tirar uma foto “boa”. Isso aumenta a criatividade também. Eu acho tudo válido, até porque o meu papel como fotógrafa brasileira na Suécia vai muito além de tirar fotos de turistas, eu sou uma conhecedora de Suécia e porta-voz brasileira aqui, eu posso multiplicar a experiência do turista brasileiro na Suécia já que eu estou na cabeça do pessoal aqui e do brasileiro ao mesmo tempo, eu acabo sendo essa ponte.

Eu faço o itinerário todo do turista, e as fotos são acompanhadas de história da Suécia, então não concorro com as fotos de celular ou até de outros fotógrafos. Além da técnica eu ofereço a experiência e isso é muito legal. Eu amo esse trabalho, acho muito gratificante. É muito a minha cara. Ao mesmo tempo que eu amo ser publicitária, e também professora. Cada coisa com seus prós e contras, o mais legal é que eu nunca me sinto entediada já que eu estou sempre variando entre as responsabilidades.

Esse verão estou investindo na minha criação de abelhas e produção de mjöd, que é outro aspecto do meu dia-a-dia que eu faço com muito prazer. Eu cheguei na Suécia ainda muito nova, aos 21 anos, então me tornei adulta aqui e hoje sou mais sueca que brasileira em muitos aspectos. O que não é melhor nem pior em si, mas que potencializa o meu trabalho tanto pra turistas quanto pros próprios suecos.

LT: No geral quando pensamos em viajar para e Europa a Suécia não está muito no roteiro, como é o perfil do turista brasileiro que visita o país?

Pâmela: A Suécia infelizmente não recebe grande atenção dos brasileiros. O que é natural, pois a gente não conhece muito sobre a Suécia. Por termos pouca relação com esse país acaba que a gente se concentra em visitar outros lugares. O que eu considero uma pena, já que a Suécia tem tanta coisa legal e exótica pra gente. Normalmente os turistas brasileiros caem aqui por estarem fazendo uma volta pela Europa e por algum motivo se sentiram motivados a vir até a Escandinávia. Mas no geral o pessoal vem aqui meio sem rumo, sem saber o que ver. Como a Suécia não é um país com pontos turísticos muito famosos, ou construções muito gigantes, muito brasileiro parece que não sabe nem o que procurar quando chega aqui. Acaba que a viagem se resume a ver uma paisagem diferente e um pessoal loiro e só. Mas isso não é culpa do turista. O meu objetivo como fotógrafa também é esse, de trazer a Suécia de uma maneira fácil e interessante e mergulhar a pessoa na cultura, pois tem muita coisa legal pra se conhecer aqui e que realmente enriquece a viagem de qualquer pessoa.

 

Centro de Estocolmo

 

LT: Imaginamos a Suécia como um lugar frio e com muita neve. Qual a melhor época para viajar a Suécia?

 Pâmela: A Suécia é receptiva a qualquer estação, depende do que você quer ou está preparado a encontrar. O frio é intenso mas tem muitas atividades legais também pra se fazer. Tem que saber o que fazer, esse é o ponto. E como eu disse antes, por não saber bem o que fazer, as pessoas acabam passando uns três dias andando pela cidade medieval de Estocolmo, comprando um chapéu de viking e voltando pra casa sem entender direito o que veio fazer aqui além de fazer um check em mais um país da lista. A viagem sem rumo não é ruim não, ela é também interessante, mas é bastante superficial. Se for pra fazer essa viagem simples e ver umas paisagens legais, o melhor é mesmo vir no verão. Dá pra andar bastante pela cidade, tomar sorvete, fika, comer em restaurante bem caro que são os restaurantes de área turística, e ir embora. Mas na minha opinião, a Suécia deve ser visitada em várias estações do ano pois aqui eles são extremamente ligados à atividades sazonais. Até a comida é sazonal.

Então cada vez que vier, vai ser uma experiência nova. Para se fazer álbum de fotos eu prefiro o outono, pois a paisagem é completamente apaixonante. E atividades fora de casa vai ter em todas as estações. Eu, como brasileira, levei tempo pra entender que tempo ruim não é motivo pra ficar em casa. No Brasil a gente tem disso, né? Se está chovendo, se está frio, a gente prefere esperar o tempo melhorar pra sair. Mas aqui não tem disso, senão as pessoas passariam nove meses dentro de casa, e isso não dá. Vir pra Suécia vai te ensinar a ver a vida por esse aspecto também, e até a valorizar o tempo ruim pra fazer atividades que só são possíveis quando não se tem calor. Eu não canso de dizer o quanto a Suécia muda a gente e faz nós brasileiros vermos a vida de maneira diferente, é muito legal.

 

Palácio de Drottningholm: residência particular da Família Real Sueca

 

LT: Quais as cidades da Suécia você recomenda visitar e quais os principais pontos turísticos que não podemos deixar de conhecer?

Pâmela: Estocolmo definitivamente deve estar no plano de um turista. É a cidade com mais história e também a mais bonita das grandes cidades na minha opinião. A cidade é a maior da Escandinávia e o legal de Estocolmo é que é uma cidade construída em cima de 14 ilhas e unida por 57 pontes lindas, que acabam dividindo a cidade em cidadelas que têm cada uma a sua característica, inclusive cultural, que se diferem umas das outras. Por exemplo, a ilha de Södermalm é a ilha dos hipsters, emergentes, e também tem a cultura da noitada, bares, rock and roll, andar de chinelo, etc. Já em uma ilha mais ao norte, que tem o bairro de Östermalm, as pessoas curtem ópera, são ricos já há muito tempo, hospedam as marcas chiques internacionais como Dior, Prada, Cartier, as joalherias caras, os restaurantes exclusivos, a cultura europeia mais erudita, inclusive se mostrando na arquitetura.

Esses são apenas dois exemplos dos muitos que a cidade guarda. Inclusive, a maior parte do meu trabalho se dá em criar um itinerário que combine com o estilo de cada turista, e o álbum de fotos da Suécia então se torna algo ainda mais personalizado pois eu faço uma entrevista com quem está por vir e planejo um itinerário onde o estilo da pessoa se encaixa; aí entra as localizações especiais de acordo com cada estilo, eu dou dicas de roupas para as fotos, além do que não sai na foto como restaurantes que combinem com a pessoa e também bares/vida noturna.

É a partir de Estocolmo também que se encontra o segundo maior arquipélago do mar Báltico, com mais de 24 mil ilhas e ilhotas, onde você vai encontrar gente vivendo permanentemente assim, no meio do mar, literalmente ilhados. Uma das viagens mais incríveis que se pode fazer é viajar de barco por entre essas ilhas. É uma das coisas que os suecos mais fazem no verão, e se você tiver a oportunidade vai ver muita vida em alto mar, além do sol que praticamente nunca se põe nessa época do ano.

Visitar Estocolmo é visitar várias cidades ao mesmo tempo, mas a Suécia não se resume só a Estocolmo. Tem outras cidades lindas, tipo Malmö, que é interessante também pela proximidade com o continente, o resto da Europa, já que Estocolmo é mais isolado da Europa continental. Mas se eu fosse escolher o roteiro ideal eu não procuraria as cidades grandes, mas sim, cidades de interior, de extremidades diferentes, pois essas têm características muito mais genuínas que as grandes cidades. É a Suécia “de verdade”, já que as grandes cidades são mais uma representação de metrópoles como em todos os outros países.

 

Stortorget: A Grande Praça

 

LT: Para o turista que sai do Brasil, como ele chega a Suécia e quanto tempo vocês recomendam permanecer no pais? 

Pâmela: Eu fico triste quando vejo os turistas fazendo tour pela Europa e dedicando 2 a 3 dias no máximo pra Suécia, indo pra Gamla Stan em Estocolmo (a cidade medieval) e saindo daqui como se tivesse vivenciado a cultura. Não vivenciou. A cultura sueca é super rica e tem várias facetas muito interessantes especialmente pra nós brasileiros já que ela se distingue tanto do que a gente conhece como Europa do sul (Itália, Portugal, Espanha). Não que esses países não sejam interessantes, aliás são muito interessantes, mas a Suécia é muito mais exótica pra gente e cheia de cultura. Grande parte dos brasileiros que vêm pra cá saem sem conhecer pois tratam a Suécia só como “um país de loiras e neve”. A gente é muito, mas muito mais que isso.

O ideal seria, claro, o máximo de tempo possível. Eu estou aqui há 16 anos e ainda não conheci tudo, e olha que eu viajo bastante! Mas pra você realmente ter uma experiência na Suécia e sair mudado daqui, (pois sim, a Suécia vai te mudar!), eu recomendaria pelo menos 5 dias em Estocolmo e mais uma semana viajando por outras cidades. Isso é realmente o mínimo, só pra poder arranhar a superfície do que é conhecer a Suécia. Sem contar o arquipélago de Estocolmo que é uma experiência em si, ou mesmo a ilha de Gotland e aí o tempo fica mais líquido e uma semana ou duas só nesses lugares seria pouco.

LT: Não conhecemos muito a culinária sueca. Qual o principal prato típico no país e nas cidades?

Pâmela: O correspondente à nossa feijoada na Suécia são as almôndegas suecas, ou köttbullar (se pronuncia xót-bular) com purê de batata e geleia de lingon, uma frutinha selvagem aqui tipo o nosso açaí, que nasce no mato e que é bem típico da nação sueca. É uma frutinha cheia de benefícios pra saúde também, e é azedinha e uma delícia com carne.

Os suecos são famosos pela vodca Absolut, mas vodca não é uma bebida tipicamente sueca e sim russa. Na Suécia raiz, da época dos vikings, o que se bebia por aqui era um tipo de vinho oriundo do mel, chamado Mjöd. Os vikings eram grandes consumidores de mel então você vai encontrar mel em muitas receitas deles. No Mjöd eles usam frutas selvagens pra dar sabor e fermentar, e pode variar muito, então não tem um jeito único de se produzir Mjöd. Aqui na Suécia essa bebida era considerada pelos vikings uma bebida dos deuses, e era o que todo rei sueco bebia nos seus castelos. Hoje em dia Mjöd só se produz por pequenos produtores na Suécia, e em outros países escandinavos se encontra bebidas parecidas a base de mel mas a receita original do vikings na verdade ninguém sabe como era. O Mjöd dos produtores suecos são diferentes das bebidas à base de mel dos países vizinhos, e é bem difícil encontrar pra vender. Eu tenho uma produção em casa que costumo oferecer aos turistas interessados em uma experiência autêntica sueca.

Agora comida típica de cidades, são muitas! Eu também não conheço tudo. Conheço bem o sul da Suécia, especialmente o lugar de onde Carl Von Linné, o botânico, veio e também de onde o criador do IKEA vem, além da Astrid Lindgren, escritora criadora da personagem Pippi Meias-Longas e outras pessoas importantes da cultura e herança sueca. Nessas regiões é comum por exemplo um tipo de linguiça que vai arroz dentro, além de várias sobremesas e coisas típicas locais. Poderia passar um tempão descrevendo cada lugar e comida que conheço, acho que não tenho espaço pra isso! Mas uma tradição muito, mas muito sueca e que eles valorizam demais no país inteiro é o fika, ou “cafezinho da tarde”, que se diferencia muito do chá da tarde inglês que muitas pessoas comparam erroneamente. A cultura do fika é tão forte e não tem como traduzir a abrangência da palavra. Resumidamente é uma pausa pra se socializar e comer algo doce acompanhado de café, e só quem tem problema com cafeína é que substituiria por chá. O pão doce mais popular é com certeza o pão de canela, muito popular nos EUA também e que foi levado pra lá pelos imigrantes suecos e é conhecido como cinnamon bun ou kanelbulle. Além disso, o “certo” pra quando alguém vai te ver em casa é oferecer sete tipos diferentes de bolachas, que a pessoa educadamente pega um de cada e degusta acompanhada de café sem açúcar e em alguns casos, pra esfriar o café, se mistura com um pouquinho de leite frio ou creme de leite cru.

 

köttbullar

 

Se você for encontrar com alguém pra jogar papo fora, ou fechar negócios, ou discutir qualquer assunto que seja, será sempre convidado pra um fika. Inclusive encontros românticos são desdramatizados pelo fika. É muito mais informal convidar alguém pra um café e bolo do que um almoço ou ainda menos um jantar. Se alguém te convidar pra almoçar, saiba que você está praticamente se comprometendo com essa pessoa, enquanto que o fika deixa as coisas mais no ar.

A tradição do fika e dos sete tipos de bolachas começou como uma forma das mulheres antigamente poderem se encontrar sem a companhia do marido. Segundo a tradição, as bolachas devem ser servidas em uma mesa com toalha de renda, e os pães doces e bolachas devem ser consumidos na ordem certa, determinada pela consistência de cada bolachinha: primeiro, 1. O pão de trigo doce, depois, 2. Um tipo de pão de ló claro, seguido de 3. Pão de ló escuro (ou seja, com chocolate ou xarope de açúcar escuro),

Aí são servidas as bolachas nesta ordem: 4. Claras, ou seja, a base de farinha branca e manteiga, 5. Escuras, a base de chocolate ou açúcar escuro em forma de xarope, 6.bolachinhas recheadas e por último, os 7. Pães doces típicos de padaria no Brasil, como o pão Wiener e afins. Depois disso tudo o certo é oferecer um bolo recheado, mas aí a visita não é mais esperada a ter estômago pra tanto.

 

Fika

 

LT: Morando na Suécia há tantos anos qual lugar vocês mais gostam de ir, não como fotografa, mas como habitante do país? Um lugar que para você representa bem o que é a Suécia. 

Pâmela: Eu gosto de ir para as cidades de interior, comer as comidas típicas, andar de esqui nos lugares onde os suecos vão, alugar um casebre no meio do mato, visitar as aldeias que ainda têm muita da herança viking. Eles preservam a história deles muito bem, e é super legal poder vivenciar essas coisas ainda hoje. Eu aprendo demais também sobre os vikings e como se vivia aqui, até porque a Suécia era um país extremamente pobre até mais ou menos 100 anos atrás. Então, em um país pobre e com escassez de comida em mais da metade do ano, eles tiveram que ser criativos e encontrar soluções pra não morrerem de fome. Em cada lugar da Suécia a gente vê uma adaptação ao inverno e às duras condições de vida diferente. Hoje eu sou muito grata por ter escolhido a Suécia, e pôr a Suécia ter me acolhido há mais de 16 anos.

 

Museu Nórdico

 

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